quinta-feira, 4 de outubro de 2012

01 - Paris, Dijon, Pires do Rio : intimidades

 



A caminho de um encontro acadêmico sobre o cinema da intimidade e a intimidade do cinema em Dijon (França), era preciso parar em Paris. Nessa cidade onde o aconchego pode vir das janelas próximas e do eterno retorno de tantas referências cinematográficas, um casal sai de casa para ir a um restaurante. 


01 - Paris, Dijon, Pires do Rio : intimacies

On the way to an academic conference on the cinema of intimacy and the intimacy of cinema, in Dijon (France), there was a necessary stop in Paris. In this city where cosiness can come from nearby windows and from the eternal return of so many cinematographic references, a couple leaves home to go to a restaurant.





Na conferência, o tema da intimidade teria diversas declinações que iam da intimidade construída no cinema clássico, 

At the conference, the theme intimacy would have several declinations ranging from intimacy in classic cinema,








à intimidade reconstruída em novas mídias 

to intimacy in new media







sob a forma de marketing de filme veiculado em iPhones distribuídos a blogueiros 

in the form of film marketing sent through iPhones distributed to bloggers







ou ainda a intimidade vista pela teoria fenomenológica, 


or yet intimacy seen by the phenomenological theory,






a intimidade considerada pela semiótica, 

intimacy considered by semiotics,









ou a intimidade impossível em tempos de diásporas. 


or the impossible intimacy in times of diasporas.











     O restaurante parisiense era o Bouillon Racine. Bouillon tem duplo sentido de uma sopa ou de um tipo de restaurante do início do século XX que começou vendendo principalmente sopa e outras poucas opções. Além da palavra raiz, Racine pode referir-se ao nome daquela rua, ele mesmo uma homenagem ao dramaturgo francês Racine. Aquela sopa de sentidos diversos ia misturando-se ao tema da intimidade que tinha motivado a conferência.


The Parisian restaurant was the Bouillon Racine. Bouillon has a double meaning: it can refer to a soup or to a kind of restaurant from the early 20th century that began selling mostly soup and a few other options. Apart from meaning root, the word Racine can refer to the name of that street, which was a tribute to the French playwright Racine. That soup of different senses began mingling with the theme of intimacy that had motivated the conference.











Enquanto isso,

Meanwhile,








é ainda de tarde em Pires do Rio (GO),

it is still afternoon in Pires do Rio (GO, Brazil),







onde periquitos barulhentos vagueiam,


where noisy parrots fly around,











 em duplas.


in pairs.








     Em uma sombria galeria também em Pires do Rio, vozes irrompem no enquadramento falando em uma língua remota. Atrás deles tinha o cartaz de um filme comentado na apresentação sobre novas mídias na conferência. 


     In a somber gallery also in Pires do Rio, voices burst into the framing speaking in a remote language. Behind them, there was the movie poster of a film commented on the presentation about new media at the conference.








      Dois pombos passeavam indiferentes aos gases do esgoto parisiense circulando nos pulmões da caveira. Mas caveira e pássaros estavam no chão: era esse o vôo fenomenológico possível. Em uma galeria subterrânea circulam não apenas os gases do esgoto parisiense, mas as impalpáveis afinidades que conectam a tampa do esgoto com as costelas, os pombos parisienses com os periquitos piresinos, a lembrança dos filmes vistos com o asfalto sujo e poroso onde jaz impresso o corpo.
      
      A couple of pigeons strolled by indifferent to the Parisian sewer gases circulating in the skull’s lungs. But skull and birds were on the ground: this was the possible phenomenological flight. In an underground gallery not only the Parisian sewer gases circulate, but also the impalpable affinities that connect the sewer lid to the ribs, pigeons from Paris to parrots from Pires do Rio, memories of movies to the dirty porous asphalt where the lying body is printed.
 
 

                            continua

                                   to be continued 

 

 

        01   de

                of  05

 

 




















2 comentários:

  1. Leio isso no livro recém-lançado de Salman Rushdie, sua autobiografia em que se refere a si mesmo na terceira pessoa: (ele estava fazendo um documentário na India e) "No Kerala, ele viu um famoso contador de histórias exibir sua magia. O que esse desempenho tinha de interessante é que quebrava todas as regras. 'Comece do começo', o Rei de Copas instruíra o atrapalhado Coelho Branco em Alice no País das Maravilhas, 'e continue até chegar ao fim. Aí pare.' Era assim que as histórias deviam ser contadas, de acordo com qualquer rei de copas que elaborasse as regras, mas não era isso o que acontecia naquele teatro ao ar livre no Kerala. O contador misturava uma história com outra, a todo instante fazia digressões na narrativa principal, contava piadas, cantava canções, ligava sua própria história política com os contos antigos, fazia adendos pessoais e, de modo geral, não era muito educado. No entanto, a plateia não se levantava para ir embora, chateada. Não assoviava, não vaiava nem atirava coisas ou cadeiras no artista. Em vez disso, as pessoas gargalhavam, estrondosamente, caíam num pranto convulsivo e ficavam ouvindo, tensas, até ele acabar. Procediam assim apesar do estilo narrativo confuso do contador de histórias ou por causa dele? Seria crível que essa forma pirotécnica de contar fosse, de fato, mais absorvente do que a versão prescrita pelo Rei de Copas -- que a história oral, a mais antiga das forças narrativas, tivesse sobrevivido por adotar a complexidade e o humorismo e rejeitar a linearidade começo-meio-fim? Se isso era verdade, então todas as suas próprias ideias sobre literatura estavam sendo amplamente confirmadas naquela noite quente do Kerala."

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  2. Andrés, estarei a altura de tão nobres companhias ? Fico feliz que pelo até agora o que está aí em cima desperte essa associação. Sinto-me desafiada. Valeu !

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