domingo, 7 de agosto de 2011

5 - A Cidade de Goiás percorrida em cinco capítulos

5 - Retorno à Cidade de Goiás

     Primeiro o Paulo Paniago falou que parecia que já estávamos há duas semanas na cidade de Goiás, embora fossem só dois dias, e completou: “As cidades pequenas têm um outro ritmo, parece que o tempo demora mais a passar.”
     E no entanto teria passado muito ou muito pouco tempo desde que aqui estive há anos atrás?


     Depois a conversa foi não sei para qual lado que a Mariana Vieira comentou que sempre se surpreendia com o fato de ver alguém com a determinação de começar alguma coisa e conseguir terminá-la. Alguém na mesa lembrou-se do filme no qual a personagem principal publica o livro do namorado que tinha se suicidado. 
      Seu Jair ainda acumula objetos antigos na sua venda no mercado da cidade de Goiás. Nela fotografei em preto e branco num passado longínquo um Buda empoeirado. O Buda e a foto se foram, mas permaneceram inalteradas a lembrança daquele retrato de uma serena invulnerabilidade e a determinação do Seu Jair em prosseguir suas acumulações de lembranças alheias. 





   Paulo Paniago falou então de um filme, Sem Limite, no qual um personagem só conseguia escrever um livro porque tinha tomado uma droga que aumentava o poder do seu cérebro e permitia uma concentração máxima no que ele tinha que fazer.

    Anos atrás, também numa mesa, na mesma cidade, éramos três, e diante de um lugar vazio ela disse: “ Essa cadeira é para o Johnny Flag”. “ E quem é Johnny Flag?” um deles indagou. “ Um amigo que não vejo há muito anos.” “ Mais uma dessas e vou achar que você está enlouquecendo.” Já então parecia curioso que a sanidade estivesse restrita a um tempo linear.
 
 

     Falávamos ainda de exemplos de determinação e Vanessa contou de alguém que escreveu um livro porque precisava de dinheiro para se casar, então conseguiu escrevê-lo até o fim. Fabiane contou de um amigo que mandou trechos do livro dele para ela comentar, pelo twitter, durante dois anos, e agora teria o livro publicado pela Saraiva. Pairava implícito na conversa o desejo de cada um de nós de conseguir concentrar o tudo em algo.
     O tudo eram também ecos. B. não parava de mexer com todos dentro da Kombi apertada e ela sugeriu que ele olhasse a bacia na janela da casa vista da janela do carro, sob bela luz amarela. “ Vê se eu vou olhar para uma bacia com mangas com você ao meu lado...” ele falou, sempre irônico e lá de dentro de tempos remotos na mesma cidade de Goiás. “ Você pode fazer as duas coisas.” – ela respondeu, surpresa com seu próprio triunfo. Depois, descendo para a cachoeira e continuando alguma conversa: “B. quer prender tudo, a corsa, o cachorro, as pessoas.” “ Você tem sorte de eu não querer te prender.”  “ Mas eu sou inaprisionável!” – brado juvenil pronunciado do alto da ribanceira. E lá embaixo, com a água caindo nas pedras no meio do grupo, ele, criatura inquieta e falante, disse que os elementos dele eram o metal e a pedra. “ O metal e a pedra? A espada do rei Artur! Você é um guerreiro!” Ele sorriu e confirmou que essa atribuição já lhe fora feita por parte de algum entendido de entidades outras. E concluiu:  Quando você fizer seu filme, me chame”. Dissipamo-nos, mas restaram vívidos os fragmentos de diálogos.
     Estávamos os cinco na cidade de Goiás, um lugar de pouco movimento, em uma espécie de ritual em volta da mesa que consistia em conjurar casos diversos para conter a dispersão do tempo. Eram redondos: a mesa onde estávamos, o empadão goiano sobre a mesa, a rodela de guariroba dentro dele, a pedra na porta de entrada da pousada, o elo entre nós que fazia a conversa fluir, o redemoinho do tempo que trouxe de volta a essa cidade, uns vinte anos e algumas enchentes depois, um turbilhão de lembranças incapaz de se dispersar. Era como se o marasmo local fosse a condição para resgatar o tempo encaracolando-se de forma aleatória e acelerada.
     Décadas nem tão vãs passaram-se depois que fotografei um anônimo descendo essa mesma rampa à beira do rio, à esquerda, num final do dia. Era uma foto em preto e branco. A noite caía, a luz dos postes já brilhava e o passante apenas passava.

2 comentários:

  1. Tão estranho...o tempo é realmente muito engraçado. Ele realmente demorou a passar em Goiás Velho, parecia que nós éramos estranhos em outro tempo. A viagem está para completar um ano, e ela que durou um final de semana com cara de 3 meses parece que nunca aconteceu. Salva por fotos.

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  2. Por que parece que nunca aconteceu, Letícia ? Bom, acho que só está escondido em algum lugar da memória e com o tempo tudo volta. Foi o que aconteceu comigo num intervalo de anos, décadas ou talvez séculos desde que tinha ido lá, tanto tempo já nem sei e no entanto tão pouco tempo que ainda me lembro bem.

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